terça-feira, 9 de novembro de 2010

Divagando sobre recordações

Sei que alguns devem ter sentido falta de uma divagação pelo dia das Bruxas, mas como passei por mais uma mudança, desta vez passou em branco.
Voltei para o meu apartamento, naquela que considero a minha mudança mais longa...rsrs Comecei a organizar minhas coisas no fim de setembro e só me mudei no começo de novembro.
Durante este pouco mais de um mês, várias mudanças aconteceram. Meu irmão que morava em Criciúma voltou para Porto Alegre, ficou com a família dele hospedado comigo.
Onde antes morava um, passaram a habitar 4. Precisei mudar minha rotina, abrir mão da minha liberdade, mas só o fato de conviver diariamente com o meu sobrinho que fez 1 aninho exatamente durante este tempo, valeu por tudo aquilo que me privei.
Outubro foi movimentado. Minha mãe fez 70 anos dia 12, meu sobrinho 1 aninho dia 14. Foi praticamente uma semana inteira de festas.
Acho que os dedos e o cérebro estavam com saudades de divagar...rsrsrs O que era para ser uma pequena explicação se transformou numa divagação em separado.
Aos poucos estou organizando minhas coisas. E, com isso, o pensamento fica vagando.
Hoje ele queria ir passear em recordações da adolescência.
Lembrei de quando comecei a surfar, por volta dos 13 anos.
Era inverno quando iniciei. Como todo guri cheio do gás, podia estar nevando que eu queria ir para o mar. Hoje eu pago o preço por surfar só de bermuda e camiseta com 15 graus, meu ciático as vezes incomoda.
Nesta época eu passava as férias escolares na praia, normalmente ficando um mês praticamente sozinho na casa que tínhamos.
Muitas vezes eu virava a noite arrumando a prancha, consertando os quebrados. Por volta das 5 e meia fazia um balde de batida de banana e preparava um chimarrão.
Ia ver o sol nascer na beira da praia, sentado na areia, tomando meu mate e meditando. O ruim era nos dias que o vento nordeste estava batendo. Levantava nuvens de areia fina que chicoteavam o corpo.
Ficava curtindo a energia do sol até umas 7 da manhã, voltava para casa, pegava a prancha e ia surfar. Normalmente saia da água as 10, quando os "surfistas" de verdade iam para o mar. Como eu queria mesmo era sentir o vento batendo na cara enquanto deslizava na onda, preferia os horários menos usuais para entrar.
Algumas vezes entrava com a galera, sendo que mais de uma vez tirei alguns de reboque lá de dentro, inclusive o meu irmão do meio. Também precisei algumas vezes sair a nado, pois a cordinha rebentava e a prancha ia parar na areia.
Tinham dias que eu dava muita risada sozinho, pois de manhã cedo tava dando altas ondas e com o passar das horas o mar ficava que parecia uma lagoa. Como eu já tinha me lavado de surfar e via os outros chegando para entrar no mar quase parado, me divertia muito olhando eles tudo produzido(prancha, roupa de borracha, hipoglós no nariz...rsrsr) e com a maior cara de decepção.
Quando o pai e a mãe estavam de férias, já complicava o meu horário, primeiro porque não dava para consertar a prancha, o cheiro da resina e dos outros produtos era muito forte e, depois, porque eu não queria fazer barulho cedo. Mas mais complicado ainda era entrar quando a mãe ia para a beira da praia. Ela ficava horrorizada pois normalmente ficávamos atrás da rebentação.
Uma das melhores sensações era surfar quando o vento estava terral, indo da terra para o mar. Cada onde que levantava fazia um chuvisqueiro delicioso. Formavam vários arco-íris. Algo indescritível.
Lembro perfeitamente da última prancha que tive. Ganhei de aniversário de 18 anos, da mãe. Toda branca com uma cruz estilizada em tons de violeta. Me apaixonei por ela logo que entrei na loja. O vendedor queria que eu levasse outra, que seria mais adequada ao meu peso e altura, mas eu fiquei com esta, sentia que ela estava me esperando. Parecia que eu sabia que iria parar de surfar em breve e, com isso, queria ao menos me despedir com um bom equipamento. Fiquei com ela por 4 meses.
Normalmente dizem que não esquecemos a primeira vez, neste caso nunca esquecerei a última vez. Era uma quinta-feira, eu estava sozinho, o pai e a mãe só iam na sexta para a praia.
Fiz todo o meu ritual, como sempre fazia quando estava sozinho.
Já tinha me decidido a pegar a última onda para voltar para casa.
Quando a série começou a estourar, escolhi a terceira, ela veio levantando lentamente, se enchendo, bem antes do ponto normal que as outras se formavam. Embiquei a prancha em direção a praia e comecei a remar. Rapidinho já estava encaixado na onda. Fiquei de pé e corri um pedaço da parede. Daqui a pouco simplesmente a prancha picou no vazio e me jogou longe. Senti os pés tocando o fundo do mar. Dava impulso para voltar a tona, mas não saia do lugar. Tinha a sensação que me agarravam pelos dois tornozelos. Parecia que eu já estava lá embaixo por alguns minutos, mesmo sabendo que era impossível. Quando finalmente consegui voltar para a superfície da água, deitei na prancha e deixei que o embalo me levasse até a beira da praia. Arrastei as quilhas na areia. Fiquei deitado ali por um tempinho, recuperando o ar e esperando as pernas pararem de tremer.
Ao me sentir mais relaxado, sentei na areia e fui soltar a cordinha do tornozelo. Para minha surpreso, os dois tornozelos tinham marcas de dedos, como se realmente tivessem me segurado com toda força por eles. Fiquei branco.
Voltei para casa e fui apavorado ligar para o pai e para a mãe, que acabaram antecipando a ida deles em um dia.
Ainda sinto vontade de deslizar pelas ondas, mas nestes quase 20 anos que passaram, não consegui superar o trauma que passei.

Carlos Eduardo
Porto Alegre, 10 de novembro de 2010.

Tenham sempre muita luz, paz, harmonia e Amor.